terça-feira, 10 de novembro de 2009

TEMA: Nunca vou me esquecer

POR TIAGO DE SOUZA


Quando me perguntam sobre algo que nunca mais esquecerei, a resposta raramente vem fácil, rápida. Ora por ter no coração incontáveis momentos inesquecíveis – apesar da já fraca memória –, sejam eles positivos ou dolorosos, ora por não saber definir exatamente em que e porque tal acontecimento tornou-se momento eterno.
E esses pensamentos seguem atemporais, sem separações por temas, ou outra coisa do gênero. Por exemplo, jamais me esquecerei do cabelo loiro da primeira paixão de criança, do suor no uniforme do colégio após brincar sem limites no recreio, do cheiro da chuva chegando quase religiosamente todos os dias no mesmo horário, assim como não esquecerei do dia em que saí realmente de casa.
Lembranças tenho do grito do meu avô no portão de casa – “minhas criançaaaas” –, o latido estridente do meu primeiro cachorro, do cheiro de manga no quintal, do dedo esfolado após tarde toda de futebol descalço na rua. Nunca sairá da minha lembrança a primeira vez que vi um morto, assim como quando vi meu primeiro ídolo – e avô – também num caixão.
Em alguns acontecimentos a palavra nunca seria exagero. Porque só com o sacrifício da recordação, do esforço de rebobinar o filme (nasci antes do DVD) da ainda precoce vida, é que voltam os dias vividos e a sensações experimentadas. Dói-me ainda como se fosse hoje, lembrar quando descobri que mudaria de colégio, uma tragédia para uma criança, todavia nunca esqueci – e acabei de lembrar – a batata frita feita pela avó. O carinho nas costas em tardes de sono, as tardes de sono no meio da semana, os fins de semana em que o maior compromisso era ter campeonato no clube, o clube de fim de semana, e o fim de semana passado.
Nunca me esquecerei da goiaba comida no pé, do medo do quintal escuro, da bronca da mãe e seu colo sem fim, do raro choro do pai e das suas histórias inventadas pra dormir. Saudades eu tenho da risada sem sentido com a irmã, da tarde sem tarefa com os amigos, das noites sem fim com a amada, das férias de gincanas – que para nós eram olimpíadas – com os primos.
O jogo mais importante da vida – ainda que fosse o primeiro de uma dezena deles – também jamais vou esquecer, assim como a dor da derrota, a perda do grande amor, a briga “para sempre” com o melhor amigo, e seu perdão do dia seguinte. Nunca deixarei de lembrar da bolacha maizena com requeijão, do pinhão no fogão à lenha, da ceia de todos os anos no natal na casa da avó, da viagem de fim de ano para o mesmo clube com a família.
O primeiro beijo, o primeiro porre, a primeira transa. A primeira dívida, a dúvida sobre contar ou não sobre a advertência no colégio, e o time inesquecível. Pequenos grandes momentos que me fazem duvidar de que ainda não completei três décadas. Acontecimentos de uma vida – assim espero – mal começada, de muitas alegrias e iguais dissabores, mas sobretudo já muito bem vivida.
Por isso, quando a pergunta sobre o que, ou quem, jamais será esquecido é de tão inverídica resposta. A cada dia que o tempo para e as recordações se sobrepõem, novos momentos, ditos eternos, novas pessoas, ditas inesquecíveis, novas sensações, ditas “para sempre”, vem à memória. E chegam sem sentido, sem tempo nem data, apenas com o mesmo calor-dor-alegria-sofrimento-rancor vivido no determinado instante. E na verdade, o que importa é exatamente isso, o sentimento experimentado. Porque ali me fiz vivo, ali deixei algo, e esse sim, jamais será esquecido.




* Texto escrito para o 3º Concurso Literário de Campinas. Estamos aguardando o resultado :)

Um comentário:

  1. Muito bom! ADOREI! Acho que o prêmio foi mesmo merecido = )
    O Blog tb tá muito bacana = D
    Beijinhos

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