quarta-feira, 29 de julho de 2009

Querem acabar com a nossa solidão

POR HENRIQUE NUNES

Em nome da disputa por espaço, a cada dia um novo braço perde o seu apoio no balcão. Fruto do descaso dos patrões que baniram dos salões o lugar ideal para veladas confissões. A cada novo bar lançado, a ordem é colocar de lado quem não tem vergonha de beber calado. Mas não sabem tais senhores originais que tal atitude descabida tira a bebida das almas sem medida que, de costas para a vida, têm direito aos mesmos pecados capitais.

Matar o balcão, senhor patrão, é um atentado aos desacompanhados. É como entregar de bandeja o muro de lamentações de quem deseja alheias privações. Não se pode mais estar sozinho num bar sem ter de esnobar as gentilezas que pululam sobre as mesas ao lado. Malvado, esses patrões. Querem nos dar conforto, comandas e afins, mas esquecem que o porto seguro de qualquer botequim é o balcão desconfortável que nos tira do confim.

Sem balcão, senhor patrão, não haverá outro lugar para suportar o peso de nossos cotovelos e angústias. Sem balcão, senhor patrão, não haverá conserva que dê conta do espaço que (des)conserva o nosso corpo. Sem balcão, senhor patrão, os bares não serão mais a meca de nossas solidões. Mas, como me alertou meu amigo engarrafado, há muito bar que ainda não foi condenado. Talvez, se procurarmos com minúcia, encontraremos por aí algumas poucas ilhas para nos tirar desse naufrágio. Eis aqui o meu sufrágio.



Este texto foi indicado pelo meu irmão Tiago e roubado do blog Botequim do Bruno, segundo ele um "jornalista, boêmio e sambista de Campinas."

E o próximo texto prometo que será meu, senão este blog muda pra "Sem ideia original".

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Duas bolas, por favor

Não há nada que me deixe mais frustradado que pedir sorvete de sobremesa, contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido.

Uma só.

Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.

O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
Conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').
Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta.
Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel ridículo.
Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar.
E por aí vai.

Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar', tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação.
Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão...

Às vezes dá vontade de fazer tudo 'errado'.
Deixar de lado a régua, o compasso, a bússola,a balança e os 10 mandamentos.
Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.

Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim: 'Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora'.

Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete, bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.

Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.

Por isso, garçom, por favor, me traga: cinco bolas de sorvete de chocolate, um sofá pra eu ver 10 episódios do 'Law and Order', uma caixa de trufas bem macias e o Richard Gere, nu, embrulhado pra presente.
OK?
Não necessariamente nessa ordem.

Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago .



Texto que recebi por e-mail, atribuído à Danuza Leão.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Viva o verde!

Vale a pena divulgar:

http://www.ethicle.com/us/

Bar ruim é lindo, bixo!

POR ANTÔNIO PRATA

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando freqüentando ultimamente o proletariado atende por Betão – é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.– Ô Betão, traz mais uma pra a gente – eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne-de-sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne-de-sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico.
E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne-de-sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?).

– Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?





Do livro As Cem Melhores Crônicas Brasileiras


* em homenagem ao meu irmão Tiago, que é meio intelectual, meio de esquerda.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pedrão

POR THAÍS MACEDO



Segunda, dia 29, foi o dia de São Pedro. E vou contar aqui a minha história com ele.

Há uns 6 anos atrás eu me irritava com São Pedro. Sempre que eu programava alguma coisa chovia e, como todos sabem, ele é o Senhor do tempo.

E ficava implicando com ele, chamando-o de porteiro e dizendo que ele "se achava" só porque tinha as chaves do céu. Que estava sobecarregado com chave do céu, cuidar da Igreja, mandar no tempo que não tava dando conta.

E não adiantava meu pai me alertar e até o padre falar no sermão que "tudo que Pedro ligar na Terra será ligado no céu, e tudo que ele desligar também será desligado no céu".
Eis que, de tanta implicância, resolvi saber mais sobre ele, o porque de tanto poder.

Descobri que ele foi tipos o best friend de Jesus, o homem de confiança. Jesus deu a ele o poder de ser a base de sua Igreja "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei o meu reino". E comecei a me encantar por sua história. Ele foi humano, o tempo todo teve suas dúvidas. Desafiou Jesus a andar sobre as águas pois não estava acreditando nele e sim, teve medo, chegou a dizer que não conhecia aquele homem que carregava a cruz e levava chicotadas... mas o seguiu por todo o caminho, e toda vida.

Quando eu já passei a admirá-lo, Seu Pedro (pois é) um senhor que mora na minha rua e tem pouco estudo mas muita sabedoria disse o nome do protetor de cada um da minha família, baseado na data de nascimento. O da minha mãe era Joana D´arc, do meu pai se não me engano era São Judas Tadeu, do meu irmão era Imaculada Conceição (eee Santinha) e adivinha o meu?
São Pedro, claro.

E passei a me entender melhor com ele. Entendendo que se ele era turrão com Jesus, imagine comigo. E ninguém melhor do que ele pra saber que a gente não admira as pessoas logo de cara. Comprei uma imagem e deixo sempre em São Paulo, pois quando sai de lá o tempo fecha. Rezo pra ele. E em troca ganho belos dias de sol sempre que é importante.
E sei que quando chegar a minha hora de ir pro céu, ele vai fazer vista grossa quando eu furar a fila.