quarta-feira, 3 de junho de 2009

As mesmas paixões

POR: TIAGO DE SOUZA

Eu tenho um primo.

Naquelas coisas de família, tenho um primo doente (sim, a paixão pelo time de coração, em muitas oportunidades, tem sintomas doentio) pelo São Paulo. Assim como meu avô, meu pai, minha mãe, meu tio, minha irmã...

E com ele costumo ver meu time em clássicos. Nunca perdíamos, éramos invictos, imbatíveis juntos, era o que acreditávamos. Vimos mais de dez clássicos juntos e em todos o sorriso aberto jamais deixou de aparecer ao final da partida.

E ontem fui ao Morumbi.

Na verdade minha ida ao estádio começou no início da semana.
Nesse, de domingo, não queria ir. Mas ele me liga na terça-feira avisando apenas que irá comprar nossos ingressos. Pronto, já sabia que time venceria. Era daquelas certezas que se tem, por exemplo, quando se encontra um grande amor. Iria voltar para casa com sorriso no rosto novamente.

Eu tenho uma namorada.

E tenho uma namorada – na verdade meu grande amor – corintiana, naquelas coisas que o Senhor Destino resolve aprontar na vida da gente, acredito eu, apenas para se divertir. Imagino o Sr. Destino, um homem sisudo, barbudo, olhando esse "detalhe" da minha vida e, marotamente, sorrindo com o canto da boca...
Apesar de saber da minha doença, o futebol, especificamente o São Paulo, ela, a namorada, insiste na frase "eu odeio futebol". Ora para me provocar, ora para criar intriga, ora por dizer a verdade.
Mesmo assim convidei-a para assistir o jogo no estádio comigo. Ela, sem pestanejar, topou. Ah, Sr. Destino....

Iria ao estádio com meu amuleto chamado primo, ver meu time líder pegar o rival combalido, com a namorada "eu odeio futebol" a tiracolo e a convenceria, não só a gostar do futebol, como a mudar de lado, de torcida. Torcer para quem vence é mais fácil, pensei.
Esquecendo a violência dos estádios paulistas, fui com ele, ela e mais tio, irmã, amigos... Para todos seria um programa de fim-de-semana. Para mim não!
Aquele seria o dia derradeiro que eu inverteria aquilo que fazia o Sr. Sisudo-barbudo rir da minha vida.

Ficamos, é claro, no lado tricolor do Morumbi. O meu primo, com uma cara de preocupado, me avisa que um dos nossos atacantes não vai jogar e um zagueiro entrou no meio. Mas nós, juntos, estávamos lá. Nada abalava minha certeza.
Sem entender aquela conversa minha namorada também não se preocupou. Apenas observava com indiferença.
E ficamos bem perto da torcida adversária. Faziam barulho. Muito. Até mais que a nossa superioridade numérica. Os rivais não ajudavam.
Mas eu só esperava o momento da explosão. Do gol. Do nosso gol. Daquele que a tocaria, vendo minha alegria, para nos unirmos ainda mais até nas paixões.

E o jogo corria, mas nada do meu momento chegar.

E nesse tempo eu ia imaginando a maneira de comemorar. Dar-lhe um beijo longo, enquanto a massa explodia em êxtase? Chorar de emoção? Fazia planos. Imaginava a vitória. Esplendorosa. Ela, a namorada, jamais imaginava meus maquiavélicos pensamentos. Estava lá não sei por qual motivo...
E o jogo caminhava para um morno fim. Bom, pelo menos levei-a ao estádio, fiz aquilo que pensei que nunca aconteceria, comecei a refletir.

Mas, a poucos segundos de mudar uma história, enfim o gol.

Em vez de tornar realidade aquilo que planejei, apenas observo, atônito, a massa adversária vibrar. Não! Esse era o meu momento. Não podiam me roubar aquilo...
Atrás de mim olho e vejo um sorriso. Eu conhecia aquele sorriso. Eu já tinha o visto na minha cara, na cara do meu primo, muitas outras vezes. Mas dessa vez ele estampava o rosto (e que belo rosto) da minha namorada.

No primeiro instante, perguntei: "Por que fazes assim, Destino?" Não entendia o sarcasmo. De me fazer sofrer daquele jeito. Em estragar um enredo meticulosamente estudado.

O jogo acabou. Frustado, olhei a decepção do meu primo, o ex-amuleto. Perdemos... Foi a primeira observação, sem compreender de fato o que estava ocorrendo.

Mas não, logo em seguida percebo que ganhei.

Porque, na demora em sair do estádio, olho a namorada, ex-"eu odeio futebol", encantada. Maravilhada.
Ela apenas observava a torcida, sempre adversária para mim.

Naquele momento, ao pé do meu ouvido, ela me pediu para um dia leva-la daquele lado. Falei que não. Mas da boca para fora. Porque ali, naquele instante, senti que dividíamos mais uma paixão. Não seria pelo time, é claro, porque essa é uma coisa imutável, assim como o sentimento entre casais que se amam.

Mas pelo futebol, esse esporte que anseia multidões. A partir daquele momento sei que ela passou a me entender.

Como um livro que tem vida própria e segue seu caminho à revelia do escritor, a minha vida tomou um rumo não planejado ontem. Mas com um final surpreendente. E muito bonito.

Quem disse que ontem não saí vencedor? É... meu primo me dá sorte sim! Sim, continuamos invencíveis juntos...

Agora eu tenho um primo, uma namorada, e os três uma grande paixão. Aaahh, Sr. Destino, que de sisudo não tem nada, muito obrigado!!!




Postado no blog do jornalista Juca Kfouri, em 07 de outubro de 2007, após vitória do Corinthians sobre o São Paulo por 1 a 0 depois de 05 anos.

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