quarta-feira, 3 de junho de 2009

Centenário do poeta do samba

POR TIAGO DE SOUZA

E o samba faz 100 anos!
Você pode se perguntar se o samba não é mais velho que isso, se o samba não começou nos jongos, nos terreiros, e depois reinventou-se na Praça Onze? Se o samba não foi escrito mesmo pelo mestre do gênero, Noel Rosa? Eu responderia que, em partes, você estaria certo. Em partes porque a transcendência do samba é mesmo com Angenor (isso, dessa forma mesmo, um erro de grafia do cartório) de Oliveira, Cartola.

A mais genuinamente forma brasileira de se cantar, de se viver, de sentir as coisas, o samba inegavelmente é Cartola, que comemorou 100 anos no último dia 11 de outubro. E outra pergunta viria: Comemorou? Cartola não morreu em 1980? E a resposta seria a mesma: - Em partes. Porque morreu o corpo, ficou a obra, o sentimento, a alma.

Fundador da mais conhecida escola de samba brasileira, a Estação Primeira de Mangueira, Cartola foi quem mais chegou perto de descobrir o "mistério do samba" (título do mais recente e mais perfeito documentário feito sobre o gênero, lançado recentemente).

Ele quase não cantou o samba em si (excluindo-se em "Tempos Idos" e homenagens à Mangueira). Mas fez samba como ninguém! Cartola não criou apenas a Mangueira que, a lado da Estácio, Portela e Império Serrano, construíram o Carnaval. Não, Cartola foi mais que isso. Ele cantou o amor, Cartola fez samba-canção, samba-choro, partido-alto, cantou a dor, a saudade, e até a repressão aos sambistas, ao trabalhador, de uma forma única, poética, rica e sintética ao mesmo tempo.

A música de Cartola, é atemporal, é difícil de explicar, mas se ouvi-la com ouvidos de ouvir e vê-la com olhos de ver nos faz compreender sentimentos que jamais saberíamos explicar.

Disse Angenor....
"Não abuses por eu te confessar
Que nascestes só para eu te amar

Gosto tanto, tanto de você
Que os meus olhos falam o que não vê
Ainda há de chegar o dia
Que eu hei de ter grande alegria
Quando você souber compreender
Num olhar o que eu quero dizer"

Ou explicou Cartola...
"Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar para mim
Queixo-me às rosas, mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti "

E se conheceu o sambista...
"Deixe-me ir preciso andar,
Vou por aí a procurar,
Rir pra não chorar.
Se alguém por mim perguntar,
Diga que eu só vou voltar,
Depois que eu me encontrar...
Quero assistir o sol nascer,
Ver as águas dos rios correr,
Ouvir o pássaros cantar,
Eu quero nascer quero viver..."

Tenho uma teoria de que pessoas como Cartola, Noel Rosa, Pixinguinha, João da Baiana, e para não ficar só no samba, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Chico Buarque (que também faz samba), deveriam ser estudados nas escolas primárias do Brasil. Esses construíram aquilo que chamamos de identidade brasileira.

Então, quis prestar a minha homenagem a Cartola, no mês em que se festeja seu centenário. Muitos – com mais conhecimento e competência – já prestaram a sua. Mas eu, como um brasileiro convicto, como um defensor e propagador do samba, quis fazer a minha. Singela....

E termino com um texto (roubado!) homenageando então aquele que faz 100 anos. Não o Angenor, mas seu legado, aquilo que construiu: o samba. Viva o centenário do poeta do samba! Viva o Samba! Viva Cartola!

É ao redor de uma boa roda de samba que nos sentimos verdadeiramente pertencentes a uma nação, a uma família. Ao redor dele nos reunimos, nos solidarizamos, compreendemos, aceitamos, repartimos, respeitamos, rimos e choramos juntos. O samba não é somente música, porque a música por si só não conseguiria levar um povo inteiro nas costas. O samba é um clima – eis o seu grande mistério. De onde vem esta força?"


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